sábado, 14 de dezembro de 2013

Azul é a Cor Mais Quente (La vie d´Adèle)

Dirigido por Abdellatif Kechiche, esse filme francês recebeu a Palma de Ouro em Cannes este ano e é baseado numa graphic novel (história em quadrinhos) também francesa, publicada em 2010. O título original do filme pode ser traduzido como "A Vida de Adèle" e conta a história dessa jovem, uma garota tímida, mesmo assim cercada de amigos. Com sua família há pouco diálogo e a rotina a consome. Até que uma jovem de cabelo azul cruza seu caminho, levando-a numa jornada de auto-conhecimento, da descoberta da própria sexualidade e da busca pelo amor.

A cena em que mostra pela primeira vez sua família já denota uma dinâmica disfuncional presente, além do contexto socio-econômico em que Adèle se encontra. Sentados na mesa da cozinha, comendo macarronada à bolognesa, o diretor se atem a uma alternância de planos individuais, cada um saboreando a sua refeição caoticamente com vinho tinto, ao som da TV, ligada em um Game Show, até concluir num plano mais aberto mostrando a família atenta ao programa. Tudo é passado de forma sutil, apenas na fotografia. E fica mais evidente mais a frente, quando Adèle vai visitar a família de Emma, a garota de cabelo azul: uma família mais sofisticada e tolerante, que toma vinho branco e come frutos do mar.

O diretor não subestima nunca o espectador. A elipse temporal sempre é crua, muitas vezes confirmada pela mudança da cor do cabelo de Emma, outras vezes por mostrar Adèle numa passeata gay, em uma fase em que já está assumindo seu romance. Acompanhamos de maneira restrita os acontecimentos, tudo baseado no ponto de vista da protagonista. Apesar disso sentimos constantemente que sabemos sempre mais do que ela, a história nos faz tirar conclusões racionais das quais ela não é capaz: no início, por estar confusa demais sobre sua sexualidade, e depois, obnubilada demais por amor.

Graças a atuação fantástica da atriz Adèle Exarchopoulos podemos perceber com naturalidade, através dos pequenos trejeitos da personagem Adèle, a sua insegurança, desencadeando nesse processo uma angústia também no espectador que não consegue decifrar o que se passa pela cabeça da protagonista. Vale ressaltar também a atuação de Lèa Seydoux, que faz o papel de Emma. Através de sorrisos, ela demonstra sua fascinação pela inocente e curiosa Adèle; através de olhares, ela demonstra alegria mas também dominância na relação.

O romance evolui para um drama "machadiano" bem construído. Na festa de aniversário de Emma, na segunda parte do filme, as duas já estão em um relacionamento bem sedimentado, moram juntas a um certo tempo. Enquanto Adèle dança com um rapaz nitidamente interessado nela, sua atenção está focada em Emma, que conversa com uma amiga numa animação levemente suspeita. Os planos enquadram constantemente Adèle com o rapaz, mas também entra no quadro um telão onde se passa um filme preto e branco (os convidados de Emma são artistas). Interessante notar que no telão está mostrando cenas de suspense e terror, com uma jovem expressando pavor, uma insinuação da psique de Adèle. Suas suspeitas não serão corroboradas, mas, até a conclusão da película, o diretor brilhantemente nos dá pistas dos acontecimentos... Claramente, a protagonista está cega demais para perceber.

Adèle conseguiu concretizar aquilo que nem todos conseguem: preencher o vazio ao encontrar a sua cara-metade. Discussão essa que ocorre no começo, em sala de aula, sugerindo já a temática do filme, com muitos alunos questionando sobre a viabilidade do "amor a primeira vista". Porém, por uma ironia do destino, foi exatamente o que aconteceu com Adèle ao atravessar aquela rua e se deparar pela primeira vez com a figura quase etérea da garota de cabelo azul. Emma sempre fora uma jovem comum, mas para os olhos de Adèle, a atitude e a aparência transviada do outro lado da rua já tecia quase uma divindade inatingível. Consegui-la foi uma realização pessoal e a fez ignorar todos defeitos e fatos que a faziam ser humana.

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